por Rita de Cássia Ramos
Um texto que produzi estabelecendo um diálogo com um conto de Guimarães Rosa, chamado "João Porém, o criador de perus". A história do literato trata, dentre outros temas, do amor platônico de um sertanejo por uma moça, chamada Alice, que foi inventada pela população local para ridicularizá-lo, a quem ele evidentemente jamais encontra, mas que passa a ser o móvel de sua existência.
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As
tranças dos cabelos de Alice, no formato de um oito, cediam à entrada do vento
na janela da torre. Seu perfil, àquela hora, lembrava uma rosa de infinitas
pontas. A moça afastava com o pé, num gesto grácil, o Licorne, este animal que
não desconfia que nem existe, o qual insistia em ficar no caminho da donzela e
seu celular. Aliás, dele já haviam soado três tristes toques, enquanto ela,
trêmula, temia, sobretudo, o calar desse chamamento. Os ponteiros dos relógios
suspensos --- quem vive em seu refúgio vive bem? --- mostravam-lhe que o tempo
sempre recomeça a correr. Nem precisava se vestir, porém... Porém seus olhos
marejavam sob o negro delineio de um traço. Quem conhece a dimensão da dor de
um ser de ficção? Quem, afinal, era ela: luz, sombra, talvez um borrão de
qualquer cor? Reminiscências... E se ele, tendo-a a peito, não mais acreditasse
na existência dela? Quando o som da campainha rompeu o silêncio e a sua espera,
a urdida, acreditando-se real, levantou-se e abriu a porta. Ele chegara ali,
além das cercanias...
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Rita de Cássia Ramos é Especialista em Ciências Humanas pelo
CEU,
mestre em Língua
Portuguesa pela PUC-SP, Doutoranda em Literatura pela USP-
Psicanálise, em formação, pelo NPP-SP; Professora de
Literatura
e análise de texto no Colégio e curso Objetivo
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