por Nida del Guerra Ferioli
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
Impressões: Sejamos todos feministas
Penso num pequeno grande livro: "Sejamos todos feministas", de Chimamanda Ngozi Adichie (Cia. das Letras, 2015). Uma palestra proferida pela autora, nigeriana e autora de diversos livros de sucesso ("Hibisco roxo", 2011; "Americanah", 2014).
Em 50 páginas ela mostra sua vivência na condição de mulher e rejeita a educação, desde a dos meninos, aos homens feitos, igualmente massacrados por formas de exclusão, capazes de desnaturar a ambos os gêneros.
Vale a pena ler, especialmente aqueles que têm filhos e filhas na idade de meus netos ou de minhas enteadas fazendo ou ingressando em faculdade.
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Chimamanda Ngozi Adichie |
Boa leitura!
* Caetano Lagrasta é Consultor Jurídico e Jornalista. Autor de livros de contos, poemas e poemas infantis. Articulista do Projeto Tempestade Urbana. Colaborador do Boca a Penas. Mantém o site www.caetanolagrasta.com
terça-feira, 13 de outubro de 2015
A possível alquimia na magia do processo criativo
por Patrícia Rita
“Quando surgir a necessidade, leve seus olhos para a natureza e
deixe que os mesmos experimentem. Permita que os seus olhos vejam as árvores
crescerem, como os botões de rosas se formam, como uma borboleta nasce...
Assim, você também, se tornará tão rico quanto à natureza, pois a contemplação
é uma revelação. Essa revelação é um olhar sob o ateliê de Deus; onde repousa o
mistério da criação e o mistério da vida”
Paul Klee
Um assunto que
me faz prosear em disparada é o processo de criação vivenciados pelos artistas.
Mesmo que haja debates e prosas a despeito do mesmo, em estado puro
contemplamos a obra em sua inteireza. Do processo, o artista é que retém os
caminhos sinuosos e curvos propiciado pelos trajetos percorridos em detrimento
ao ato de sua criação; bem como, os sabores e o 'como' alcançaram a superação
de suas próprias limitações, vivendo experiências inimagináveis, reinventando
até a si mesmo. A revelação que estes caminhos o presenteiam são guardados em
sua 'caixinha mágica', no interior de sua alma. Há de se achar que o artista
possui esse egoísmo inerente de seu oficio. Que coisa mais engraçada!
Esses caminhos
silenciosos, mesmo que cada área artística possua a sua maneira de caminhar,
com movimento durante a criação ou a quase imobilidade do artista operante,
auxilia a elevar todo o ser de qualquer artista. O comum a todos eles é o
'alçar de voos' rumo a morada etérea, a morada da criação, a qual se visita e é
seduzido a revisitá-la durante toda a sua vida criativa.
Ele é provocado,
envolvido a tal ponto que se transborda para além do espaço/tempo, tanto com a
chegada de uma inspiração, quanto com o não haver da mesma. Porém, de tanto o
artista revisitar tal morada, ele conquista o direito de gerar sua própria
inspiração a partir do nada. Carrega consigo seus próprios elementos em matéria
bruta que compõem seus instrumentos de trabalho, seja utilizado para manejo,
criação de personagens ou poemas, percorrendo o mistério repleto de bagagem
adquirida ao longo de suas vidas, até
alcançar a aprendizagem oferecida pela obra criada. Uma revelação
que vai se revelando.
Nem sempre os
caminhos do processo criativo são claros: há neblina que o artista se depara
pelo caminho. E quão grandiosa ela é! Como dito por Kalil Gibran 'escuro e
nebuloso é o inicio de todas as coisas, mas não é o seu fim', ouso reforçar
o dito, visto que após a neblina e mesmo quando finalizado uma obra, ela não se
conclui; pois quando alcança o olhar de alguém ou muitos olhares, a obra se
reinventa, realiza sua própria destilação, é levada a outro lugar através das
experiências e olhares de outras pessoas. Não sei se por teimosia, mas é fato,
a obra volta até o seu criador tão repleta de vida que ela chega a reinventar o
próprio artista. Vê, ilumina tudo!
No todo, seja
prazeroso ou um tanto chato, claro ou escuro, de forma breve ou longa, o ato de
transformar uma coisa em outra no processo da criação se aproxima ao da
alquimia, de maneira respeitosa e delicada. Não é propriamente a alquimia em
seu estado puro que interessa aqui, ela é uma outra forma de arte, ciência e de
conhecimento, que possui outra forma de estar no mundo. E é essa 'outra
forma de estar' que a possível alquimia pode estar envolta no processo da
criação.
Para os
artistas, assim como para os alquimistas, cada etapa de um processo criativo e
de estudo possui uma aprendizagem que
auxilia na evolução no seu ser, de maneira que desencadeia a beleza e harmonia
ao mundo.
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Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus Von Hohenheim – O Paracelso, alquimista (1493-1541) |
Para eles, a
natureza e o ser formam um único corpo que perpetua a todo momento. A obra criada
contém um universo impresso da natureza, seja humana, animal ou vegetal,
arraigada de dramas, gozações, guerreiros e guerrilhas; elas passam processos
inenarráveis até ganharem forma, adquirindo a própria maneira expressiva de ser
.
Assim os artistas tornam-se múltiplos
elementos em composição. É um jeitinho delicado de um possível ‘tocar’
no sagrado de si, no sagrado da matéria e do universo. Quão singelo e taciturno
subsiste nesse tocar!
Quando vemos uma
criança brincar com um pedaço de madeira, podemos quase tocar o sagrado do
mundo mágico que ela está prestes a criar, refletido para quem observa no ato
do brincar e na forma com que se brinca. Essa percepção se dá quando passamos a
não ver mais o pedaço de madeira em absoluto, mas sim como a criança ao brincar
realiza voos para além do pensamento e da fantasia, transformando a matéria da
madeira em um avião de quatro ou mais turbinas.
A linha
invisível entre a arte e o oficio do artista pode ser visto como essa criança e
seu brinquedo destilado e mágico, que faz de seu próprio ‘arcabouço de
experiências’ um espaço poético de
seu ser sociológico e fisiológico. Assim, propicia viagem simbólica pelo
espiritual e sagrado do oficio que coexiste no processo de uma criação
alcançando a 'morada' da criação, a tal ponto que ‘o que está embaixo
é como o que está em cima’.
É alcançando
essa morada (digo alcançar pois é preciso conquistá-la), que o artista se
utiliza de seu cadinhos simbólicos e começa a mistura de elementos para tecer sua obra. Essa mistura trata de
matéria e composições até lunares, já que a obra sempre possui o brilho das
estrelas. Os elementos em questão são extraídos da própria 'veia da vida' do
artista, através do refinamento apurado de seu olhar, seus questionamentos e
possibilidade de transformação; bem como, de sua época, com tudo que preenche
seu tempo, social, cultural e econômico. O intangível, como na destilação do
elemento mercúrio, tão usado pelos alquimistas, talvez seja a destilação de sua
técnica adquirida através de estudos, referências e identificação. Com a chama
do fogo, ou até mesmo das práticas, o artista dilui e assimila os mesmos
concebendo a sua identidade artística e sua assinatura. O instrumento fogo,
usado abaixo do tubo a ser aquecido determinado elemento pelos alquimistas, é a
chama da vela, que reside no coração do artista. É a chama do desejo que nunca
se apaga, inflama por dentro e sai aquecido para fora em forma de obra. Quão
bela é a chama de uma vela!
Para o filósofo Herder 'o que se chama vida na criação é, em
todas as formas e em todos os seres, um mesmo e único espírito, uma chama
única', que se faz na multiplicidade
e nos detalhes que a chama produz no imaginário. Para Bachelard, 'ela ainda
está enraizada em nossos passados longínquo pela chama de uma admiração
natural, que determina a acentuação do prazer de ver e nos força a olhar'.
O artista e o
alquimista são de fato andarilhos que percorrem estradas da vida. São cúmplices
da vida, e a vida, cúmplices deles. A ordem não importa.
É como se o
corpo físico ficasse suspenso, sob o que sabemos e o que não sabemos. O voo do
além corpo do artista é longínquo e breve para os ponteiros do relógio
presente. Porém, em criação, o tempo não passa e não pára, coexiste em um lugar
que os pertencem. Extraído de lá, materializado em sua criação, traços ou
linhas tênues de seu próprio conhecimento, ou de conhecimentos deixado por gerações ou até no
alcance do conhecimento futuro. Esse conhecimento do futuro pode até não ser reconhecido
em sua época ou em vida. De fato, com o chegar da hora ou período, é que se
obtém reconhecimento. Porém, se
serão famosos ou não, isso não importa para o presente escrito. Cada artista
desenvolve a arte à sua própria maneira. Algo comum a todos eles é o fato de
não saberem o significado da palavra desistir, por isso continuam a espalhar
beleza para os nosso olhos e alimentos para nossa mente e alma. O que todos
possuem fortemente em comum é o tempo atemporal e a labareda da chama
da vela que os fazem ressurgir como fênix em cada criação.
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Foto: Dervish |
A criação faz com que todos os artistas habitem a mesma morada; é um ateliê universal que recebe as gerações passadas, presentes e as do futuro, estejam elas onde estiverem no espaço ou espaço/tempo, seja numa arte escrita como em um conto de amor expresso, em um livrinho de compota de pimenta, nas meninas 'aladas' ou menina azul, no movimento de um ator, ou na borboleta que faz voar os 75 poetas. Todos artistas em suas distâncias alcançam em seu voos através do destino (invisível, mas possível), o ateliê da casa dos artistas. Cada artista eterniza sua própria idade na obra criada. Não rejuvenescem, mas o tempo se materializa impresso em obras.
O sagrado e a
alquimia, a arte e o oficio, o criador e o ato da criação possuem um elo entre
o tempo e o espaço, o ritualístico e a sociedade contemporânea, ou entre a
expressão da arte e a arte de se viver a vida, atravessando os limites da
consciência. O possível é um fio invisível que une a arte à vida
correlacionando-a com o conhecimento, em uma longa viagem através dos caminhos
de um andarilho, em que o processo da criação forma-se e dá forma. E assim,
toca-se o segredo da metafísica na morada da criação.
Patrícia Rita é escritora e atriz, ministra aulas de teatro, dança e antropologia na art-performance para criança e adultos, com base na antropologia teatral.
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
Cadáveres Insepultos
por Caetano Lagrasta
IMPRESSÕES:
Livro: Lugar Nenhum - militares e civis na ocultação dos documentos da ditaduraAutor: Lucas Figueiredo
Ed. Companhia das Letras, 2015
Acabo de ler "Lugar
Nenhum - militares e civis na ocultação dos documentos da ditadura", de
Lucas Figueiredo, editado neste ano pela Companhia das Letras. Destemido,
mesmo, não perdoa o autor, na consulta de documentos tanto uns como outros. A
falta de coragem ou vergonha dos presidentes, a partir de Sarney até Dilma é
acachapante. Veja-se que existe condenação pela Justiça Federal, determinando a
abertura dos arquivos secretos, não cumprida por justificativas e evasivas sem
qualquer respaldo na verdade, com isto livrando-se patentes e subordinados de
Cenimar, Cie, Cisa, DOIs e CODIs.
A questão se arrasta para
mais de 30 anos e ao cabo, a Comissão Nacional da Verdade, igualmente se omite
sobre os documentos entregues pelo repórter Lucas Ferraz e que, demonstram de
forma cabal que os arquivos não teriam sido totalmente destruídos e os
microfilmes que ele entregou não foram considerados, salvo por trocas de
ofícios burocráticas, sendo omitidos pela CNV. Uma verdadeira vergonha para
nosso país e mais uma demonstração de desprezo pelos povos indígenas e pelas
famílias que não desistem da busca por seus cadáveres insepultos. O medo dos
militares não deixou, jamais, de rondar os governos civis que se escondem sob a
fachada de "democráticos".
O livro é essencial para
aqueles que querem realmente conhecer a história das torturas, das mortes, dos
insepultos. Parabéns a Lucas Figueiredo e à Cia. das Letras, sem esquecer
também o jornalista Lucas Ferraz por sua coragem.
Caetano Lagrasta é Consultor Jurídico e Jornalista.
Autor de livros de contos, poemas e poemas infantis.
Articulista do Projeto Tempestade Urbana.
Colaborador do Boca a Penas.
Mantém o site www.caetanolagrasta.com
domingo, 4 de outubro de 2015
O Poder da Lágrima
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Big Eyes - Margaret Keane |
por Nida del Guerra Ferioli
Meus queridos; me ocorreu insistentemente um pensamento, sobre a lágrima. Com certeza, vocês já pensaram no poder que tem essa pequenina gota de água salgada que escorre pelos nossos olhos, quando sentimentos de tristeza ou de alegria aparecem exatamente para demonstrar, mesmo sem querer, a nossa dor ou nossa felicidade!
Repito; o Poder da Lágrima é imenso. Bem-vinda, por exemplo, na hora do nascimento de uma criança; em um casamento; nos olhinhos lindos de uma adolescente que se emociona ao ver chegar o seu primeiro namorado, enfim, em dezenas e dezenas de vezes, nas nossas vidas.
Porém, não podemos esquecer o reverso da medalha. Como ela “as lágrimas” nos aliviam a alma e o coração, nos momentos críticos e tristes da nossa existência. É então o quanto ela se torna primordial e benfazeja!
Mas, vamos agora a um adendo, talvez pessimista, mas creio, necessário.
O que dizer das “Lágrimas de crocodilo" isto é, lágrimas falsas, traidoras, que tanto mal fazem às pessoas crédulas, não preparadas para se precaver dessas maldades humanas.
É triste, não é mesmo? O que fazer então? Eu diria a vocês, linda juventude! Acautelem-se! Cuidado com as lágrimas que brotam docilmente nas faces de pessoas que hipocritamente abordam assuntos excusos e que, a meu ver, jamais deveriam sentir no próprio semelhante, a felicidade do escorrer de uma lágrima, pois quanto poder tem a verdadeira e sentida lágrima, pois foi usada indevidamente!
Sabendo pois, quanto poder tem a verdadeira e sentida lágrima, me despeço, amigos e amigas, com um grande abraço e agradecimentos por lerem esse meu texto.
Nida
NIDA DEL GUERRA FERIOLI (94) é Conciliadora e Mediadora de Conflitos (formada em 2014);
Professora de italiano; Autora do livro “Vivendo a Vida”
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
OITO PERGUNTAS A PENAS com LUNNA GUEDES
Lunna Guedes é escritora, editora... artesã de
livros e degustadora de cafés, sendo seus favoritos os que são servidos em copos
brancos, com uma sereia de duas caldas desenhada na "borda". É seu placebo...
remendo.
Nasceu em Gênova, em
1981... mudou-se para São Paulo em 2002, onde conheceu seu Mr. Darcy. Abandonou
a prática da psicanálise e foi viver sua paixão: escrever e costurar seus
livros: hoje tem um cachorro, um punhado de livros, sendo três seus e um punhado
dos outros. Nunca foi tão feliz... caminha sem pressa, com prazer e está sempre
acompanhada pelas ilusões da vida, a arte dos dias e a paixão
contínua.
Lunnaguedes por Lunna Guedes – vive com um punhado de tempo
"passado"
na pele e qualquer coisa de tempo "futuro" na cabeça. acostumou-se a viver sem mapas… e, a se mudar de cá para
lá.
mulher. sagitariana.
blogueira. se diz italiana as segundas. paulistana as terças. sem lar ou país as
quartas e, nos demais dias da semana, se diz outra que não ela, que não
ninguém…
Tem um boxer chamado
Patrick. um namorado a quem, por força da língua, chama de: "amore mio" e um
punhado de pessoas, que coleciona, como se fossem figurinhas e ela um álbum
incompleto.
não gosta de fazer
compras. detesta dias de sol e por consequência, ama dias de chuva. teve vários
outros nomes, mas como não suporta rótulos, foi ao longo dos dias, inventando
superfícies. já foi Raissa, Alexandra, Deborah, Catarina … mas volta sempre a
ser lunna das noites inteiras! E passadas as
seis horas – quando não invertem o horário e mandam tudo para mais tarde – ela
faz uma pausa: fecha os olhos e reza sua prece; um poema de Eliot, Borges ou
Campos…
BAP1: Fale-nos de como uma
psicanalista deixa para trás seu caminho profissional e abraça outro, o das
letras, da escrita. Como se deu essa ruptura/metamorfose e por quê?
Lunna Guedes: Ruptura
significa deixar a casca e não foi o que aconteceu comigo... eu percorri o
caminho inverso. Saí totalmente de mim... me abandonei e fui em outras
direções. Eu me lembro como se fosse ontem do reencontro, diante do espelho.
Senti saudades de estar sozinha, na cozinha de casa, de frente para o mar, com
um punhado de papéis em banco a conversar com esse eu que habita o fundo de
minha matéria. Eu escolhi voltar para a casa que sou. Como disse Pessoa:
“primeiro a gente estranha-se, depois entranha-se”.
BAP2: O que representa “Lua
de Papel” na sua trajetória artística?
LG: Só há uma
maneira de definir "lua de papel"... é minha metástase.
BAP3: Você escreve e edita
livros, e é blogueira. O futuro da literatura está no livro físico, nos e-books
e blogs ou em ambos? Fale também sobre esse campo de atuação da literatura no
mundo dito virtual.
LG: A literatura
é uma voz que precisa ser ouvida... não há um mundo para ela, há um lugar...
que somos nós. Eu comecei a usar o blogue, aconselhada que fui por um amigo que
sabia da minha necessidade de produzir escritos (ensaios). Sempre pensei, em
algum momento do meu aprendizado, ter um livro impresso, mas não queria esse
formato de livrarias e prateleiras, porque o alternativo e independente me
seduziu desde o princípio. Sou rebelde por natureza. Quero leitores, e não
pessoas que compram livros para movê-los de uma prateleira para outra.
O mundo virtual é apenas mais uma voz e,
se souber ser usada pelo escritor, faz eco... caso contrário, fica pelo
caminho.
BAP4: Em sua biografia,
você diz: “Lunna caminha sem pressa, com prazer e está sempre acompanhada pelas
ilusões da vida, a arte dos dias e a paixão contínua.” Até que ponto chega a
sua liberdade? Quando você percebeu que a pressa da vida não deveria mais te
atingir?
LG: ...quando li
“passagem das horas”, de Álvaro de Campos: “trago dentro do meu coração,
como num cofre que se não pode fechar de cheio. Todos os lugares onde estive.
Todos os portos a que cheguei. Todas as paisagens que vi através de janelas ou
vigias. Ou de tombadilhos, sonhando. E tudo isso, que é tanto, é pouco para o
que eu quero”. Percebi que a escrita seria o meu Norte, mas era preciso
tempo... respeitar as minhas pausas, compreender minhas quietudes e,
principalmente, aceitar a minha monotonia. A escrita pede disciplina e me
lembra constantemente de que eu sou uma escritora até a última linha... depois
disso, não sou ninguém, mais nada, e preciso aceitar que talvez seja para
sempre. Não é fácil. Já me acabei milhares de vezes... Confesso que, a cada nova
morte, tem sido bem mais fácil renascer, mas em algum momento não será mais
possível. Eu sei disso, ainda que não tenha aceitado muito bem... (risos)
BAP5: Você retira dos
acontecimentos do cotidiano a matéria-prima para seus escritos, ou tudo que
você escreve é fruto de sua imaginação? A maioria dos escritores diz que
mistura tudo. Como é esse processo da escrita para você?
LG: Demorei
muito para compreender as regras desse jogo... até que li o diário de Sylvia
Plath e uma passagem dela reverberou em minhas entranhas. Ela dizia que adorava
pessoas... eu dizia justamente o contrário, mas percebi que estava errada. Eu
adoro pessoas e tudo que elas acrescentam ao meu imaginário. Para ele, pessoas
são ingredientes... quem sou eu para dizer o contrário? (risos)
BAP6: Aos escritores, em
geral, é atribuído um lugar de “sujeito suposto saber”, afinal, eles “sabem”
tudo dos seus personagens, imaginam os leitores. Você concorda com essa
premissa? Os escritores possuem essa onipotência mesmo?
LG: Há de se
preservar qualquer coisa de mistério... não me lembro quem disse isso, mas
concordo. A vida nos surpreende o tempo todo... nossos personagens, se vivos,
seguem o mesmo caminho.
BAP7: Sendo uma genovesa
que adotou o Brasil, e mais precisamente São Paulo – uma cidade caracterizada
pela combinação de diferentes povos de todos os locais do mundo – como sua
casa, como você analisa a atual crise migratória européia?
LG: Acho um
bocado difícil... eu vim para São Paulo pela primeira vez a contragosto. Não
tive opção e, quando fui embora, disse que não voltaria. Voltei em 2002 para
“encontrar” a cidade de um dos meus autores favoritos: Mário de Andrade. Não
foi fácil... mas foi bem menos difícil. Demorei a me acostumar, ambientar. A
língua não foi o único problema. Os costumes são outros. A realidade... Então,
imagino a realidade de todas essas pessoas em fuga. Ninguém está preparado para
esse problema: nem as pessoas que fogem de seu país. nem as que terão que
recebê-las.
Acho que a Europa será outra em pouco tempo... e é isso o que mais assusta, porque as pessoas têm medo da mudança, principalmente quando não há tempo para se preparar para o inevitável.
Acho que a Europa será outra em pouco tempo... e é isso o que mais assusta, porque as pessoas têm medo da mudança, principalmente quando não há tempo para se preparar para o inevitável.
BAP8: Fale um pouco sobre o seu selo artesanal, a Scenarium. Fazer e vender
livros artesanais, além do prazer enorme que deve lhe proporcionar, também é um
bom negócio (no Brasil e no mundo)? Explique como é o processo editorial de um
livro artesanal?
LG: Quando
pensei o livro artesanal, não o vislumbrei como um projeto para os outros, e
sim para mim. Não queria o formato tradicional do livro. Na infância, eu
escrevia para meus autores favoritos, como se fossem iguais... e isso me fez
acreditar que um escritor deve cuidar do seu leitor... foi justamente isso que
o livro artesanal me permitiu. Exemplares numerados, tiragem pequena e a
certeza de que o meu leitor teria total acesso a mim, sabendo, entre outras
coisas, que o meu livro seria uma parte minha e uma parte dele. Uma espécie de
simbiose.
Foi uma surpresa – confesso – me deparar
com pessoas interessadas em ter seus livros costurados por mim. Quando me dei
conta, já não conseguia mais atender aos pedidos sozinha... foi quando surgiu a
ideia de “produção independente”.
Desde que inventei a Scenarium, o meu
trabalho consiste em garimpar autores que combinem com o meu estilo Editorial
e, principalmente, que me façam sentir vontade de alinhavá-los... eu sou uma
pessoa muito exigente, chata e tenho para mim que a escrita deve ser um diálogo
entre autor e leitor. Se não conversa comigo... recuso, mas não quer dizer que
o autor não seja bom, apenas não serve para o meu projeto.
Não gosto de nada que aconteça sem
esforço... acho que um autor deve ler seus escritos, ter consciência de que não
estão prontos e talvez nunca fiquem. Sobretudo, precisa entender que o olhar do
Editor (no caso, o meu) vai atravessá-lo e, em algum lugar, existirão
reticências...
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Entrevista
realizada pela equipe do BAP.
Chris Herrmann, Denise Moraes, Lourdes Rivera e Marcelo Mourão
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