VENTAS FINAS
enquanto escuto a simplicidade do som
que o rodar da máscara – quase vazia –
do ranger -
corredor – de cada dia
repenso, sem lamento,
a crueza da orgânica sede de líquidos
presente em cada ausente
vazada em minha lâmina
curta – mal afiada – fagulha vermelha
de fogo brando (que vermelhas são as
ventas finas das estrelas frias)
debulhada ao redor de sondas e sonhos
esses sim amarelos e confusos de sua cupidez
vontade de armaduras e aragens
enfim, enquanto penso ou pareço
como a afinada maré dos desejos
sou una e fruída e gatuna
ou nenhuma naco e fato
dos factóides armados por
vagões contínuos de uma...
é, estúpida humanidade.
Jandira Zanchi
(Área de Corte)
BAP1: A
física, a matemática e a poesia são filhas da filosofia; portanto, são
parentes. A sua arte de poeta nasceu antes ou depois de sua atuação nessas duas
ciências exatas? Nos conte sobre essa descoberta de si mesma.
Jandira
Zanchi: O gosto pela literatura caminhou junto com a matemática e o encanto
pela astronomia. No começo dos anos 80, depois de terminar a graduação em
Matemática, estive em São Paulo (USP) para fazer o mestrado em Mecânica
Celeste. Não concluí. Aos poucos fui entendendo que havia um rebuliço interno
que precisava de outra expressão. Mas, foi apenas aos 37 anos de idade, no
começo dos anos 90, que comecei a escrever poesia. Sem nunca ter lido e/ou
gostado. Até hoje me surpreendo com o fato de, instintivamente, usar uma série
de recursos que só depois, ao começar a ler poesia, entendi que são comuns ao
arquivo maior desse ofício, que hoje me parece único e soberano.
BAP2:
Mallarmagens é uma revista muito conhecida e reconhecida por seu valor. Nos
fale sobre ela e sua importância no cenário poético e artístico. Quais os
planos futuros dessa publicação eletrônica?
JZ:
Mallarmargens é referência nacional em literatura. Tem um corpo editorial,
editores, curadores e colaboradores fixos, diversificado e composto de alguns
dos mais expressivos poetas do país. A revista tem de 1.000 a 2.000 acessos
diários e funciona como antena da produção da melhor poesia brasileira. Sem
definir ou limitar as linhas e expressões, pois engloba toda a poesia que pode
ser reconhecida como poesia/arte, independente do gosto particular de seus
editores ou dos grupos que aglutinam essa produção. O maior plano para o futuro
é sempre o de manter a qualidade e imparcialidade pela qual é tão reconhecida.
BAP3:
Você concorda com a seguinte afirmação: “poesia é uma ficção cheia de
verdades”? Se sim, comente.
JZ:
Claro que sim, e me parece até óbvio o motivo. Para criar boa poesia o poeta
tem que “sentir”, abrir o “ser” para a dinâmica da vida e sua complexa
ramificação de sensitividades e sensorialidades. Mas, poesia é uma atividade
intelectual com qualquer outra. O consciente, esse ordenador e analisador do
material bruto e espontâneo, interfere para a devida consecução do poema, mais
ou menos, de qualquer maneira o poema dificilmente é produto só de razão ou
emoção.
BAP4: Como
você vem percebendo o atual panorama da poesia nacional? Qual a importância da
internet nessa nossa realidade de hoje?
JZ: O
que mais me chama atenção no atual panorama é a riqueza e variedade da produção
poética. Nada está definido, a cada momento novos poetas estão nos
surpreendendo. Eu me interesso principalmente pelos novos, que ainda não estão
consolidados pela crítica. Se a internet ajuda? Claro, e muito, porque os
talentos podem se polir e propagar. Também pode ser bem prejudicial pois a
mediocridade encontra a mesma oportunidade de manifestação.
BAP5:
Fale um pouco sobre a sua experiência, no final dos anos 80, como professora
cooperante na Universidade Agostinho Neto - Faculdade de Ciências, em Luanda -
Angola. Essa experiência influenciou sua criação?
JZ: Foi
uma experiência interessante pelo contato, na época da cortina de ferro, com
russos, cubanos, vietnamitas e europeus orientais. Éramos apenas em 4
brasileiros na Universidade. Embora mais protegidos, vivemos o medo, a
insegurança e as dificuldades de um país em guerra civil. Também as
contradições do socialismo, as diferenças de oportunidades e culturas. Seria um
relato muito extenso. Pode ter influenciado no meu processo criativo, mas, não
diretamente. Faço uma poesia existencialista, com cortes racionais sempre
dividida entre miséria emocional e o
olímpico da razão.
BAP6: O
Brasil ficou na penúltima posição em um índice comparativo de desempenho
educacional feito com dados de 40 países (fonte: g1.globo.com). Como você vê o
papel do educador há 30 anos e nos dias de hoje?
JZ: O
papel continua o mesmo, educar. A realidade mudou muito e pode-se, com ou sem
ironia – como queira, dizer que mudou o educando, perdendo muito de sua
educação, no sentido de boas maneiras, dificultando o exercício da função de
educador que, em primeiro lugar, precisa ser respeitado para exercer sua
função. Os principais motivos? O ingresso de uma massa que antes não tinha
acesso ao conhecimento e que não tem em casa o condicionamento inicial para
desenvolver processos abstratos; a democracia, que ao contrário das suas
utopias, é crua e une no mesmo espaço, da rua e da vida, privilegiados e
oprimidos; os meios de comunicação que bombardeiam esses desprivilegiados com o
ópio do consumo; o desmascarar das formas que ficaram nuas nas suas verdade, ou
você é dos que podem se dar bem ou vai ser o terminal dos processos sociais e
carregar a entropia resultante.
BAP7:
Mais ou menos na linha do “A poesia não salva o mundo, mas salva um minuto”,
como disse a escritora portuguesa Matilde Campilho, você acha que a poesia pode
salvar a educação?
JZ: Eu
acho que a poesia pode salvar o mundo e que é sua principal resistência. Quando
o deslumbramento com a tecnologia estiver mais brando vai ficar mais claro que
desenvolvimento humano é aprimoramento e sofisticação de subjetividade. O que
pode ser mais subjetivo e impulsionador do processo de individuação do que a
poesia?
BAP8:
Conte sobre seus livros. De qual você gosta mais, qual te deu mais prazer
quando estava escrevendo, o mais difícil, o mais demorado... fale sobre essa
trajetória literária.
JZ: Todos
tem sua importância para mim. Aqueles de que mais gostei de escrever, os
primeiros, são bem falhos em sua estrutura. Transformei-me no processo de
escrevê-los. Literariamente o mais difícil, de um ponto de vista técnico, pode
ser o melhor. Poesia por poesia... pode ser aquela que mais encanta as pessoas
que não estão acostumadas com poesia... não sei... mas, se for assim, acho que
A Janela dos Ventos que não teve edição impressa, só digital, pode ser esse
livro.