Carioca de 1974, Alexandre Guarnieri é poeta e historiador da arte
(licenciado em História da Arte e Educação Artística pelo Instituto de Artes da
UERJ e Mestre em Comunicação e Cultura/ Tecnologia da Imagem pela Escola de
Comunicação da UFRJ). Como poeta participou do movimento carioca da poesia
falada nos anos 90 e recebeu três Prêmios Literários: Prêmio Yêda Schmaltz,
oferecido pela União Brasileira de Escritores – Seção Goiás e o Prêmio Marco
Lucchesi, oferecido pelo Jornal Panorama da Palavra, ambos em 2003, e o primeiro
lugar no 57o Prêmio Jabuti (2015) por seu segundo livro, "Corpo de Festim"
(Confraria do Vento, 2014). Atualmente pertence ao corpo editorial da revista
eletrônica Mallarmargens e integra (desde 2012), com o artista plástico, músico,
ator e poeta, Alexandre Dacosta, o espetáculo mutante [versos alexandrinos].
"Casa das Máquinas" (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia e está
disponível online, integral e gratuitamente, no [issuu.com].
Publicou poemas em antologias, revistas e jornais, dentre eles o Panorama da
Palavra, Suplemento Literário de Minas Gerais, RelevO, Eutomia, Zunái, Musa
Rara, Acrobata e Germina. Como "artista-educador", atuou em programas educativos
no Rio de Janeiro, entre eles: MAM - Museu de Arte Moderna, Oi Futuro - Museu
das Telecomunicações, CCBB - Cultural Banco do Brasil; Foi professor de Artes e
oficineiro em diversos projetos e Ongs voltados para a Arte e a Educação. Como
servidor público, integra desde 2006, o corpo técnico da Diretoria de Marcas do
INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
UM POEMA DO "CORPO DE FESTIM"
|( os órgãos internos )|
\( persegue as vértebras a massa dos sangues coligidos / (
dentre os quais há indício, de que alguns (mais ou menos
líquidos)\ cada qual a seu tempo, distintos, consolidem
sacos coagulados do caldo biológico \( carnes que existem
da diferença entre si de seus tecidos /( se especializaram
as células, em aparelhos e sistemas )/ delas monta-se um
puzzle cujas lacunas se completam )\ o corpo expande, mas se
destrói quando mais o rígido osso fratura, pelo escasso
cálcio /( conforme a vida lhe habita, o conjunto luta sob o
mesmo pulso \(o mesmo insumo bruto lhe insufla a labuta /(
plantada já na samambaia dos nervos \( enclausura-lhe
a amarra elástica dos músculos /( a obstrução sob medida
de uma única fornalha viva )\ trocam fluidos entre si tantas
partes aparentemente separadas \( interno o mar hemorrágico,
apenas visitável numa viagem fantástica /( mas quando lhe
autopsiam a frio \(sangria & bisturis /( se mostra, monstro
sob as próprias ataduras \(um frankenstein exposto, que,
apenas por medo do escuro, só morto poderiam demonstrá-lo )
O POEMA FALADO POR TAVINHO PAES
BOOK TRAILER
BAP1: O que mudou
em você, na sua vida cotidiana e em sua carreira artística após receber o
prêmio Jabuti de poesia de 2015?
Alexandre Guarnieri: Na verdade, nada
mudou... não me tornei uma celebridade... nem gostaria de me tornar uma, muito
embora a gente deseje ser lido e (re)conhecido (rsrs), não é mesmo? É a
complementação da criação, a recepção, ou seja, é no olhar do outro que a arte
se mantém viva, constantemente relida e renovada em seus significados. Muitas
das pessoas que me cumprimentam no elevador do edifício onde trabalho, por que
leram algo sobre o Jabuti na Intranet da autarquia, ou me parabenizam em
saraus, não necessariamente me leram... mas nutro sempre uma esperança. Poder
discutir o trabalho dá muito prazer.
BAP2: Escrever
literatura é ter um projeto literário por trás de seus trabalhos ou é tão
somente deixar fluir, correr solta a imaginação, sem quaisquer amarras ou
propósitos? Ou são as duas coisas juntas?
AG: Geralmente a
imaginação persegue temas, quer desvendar o mundo, cria o caos mental e
sensorial necessário ao ato criador, é uma parcela do que se costuma chamar “a
inspiração”... mas é a “transpiração” que leva a cabo o projeto imaginado...
escolher as palavras com os sons certos se assemelha a escolher cores ou
acordes... há uma fluência inicial mas a esta se segue uma rotina de trabalho,
que pode ser mais ou menos organizada... podemos deliberadamente esquecer dos
poemas e voltar a eles meses depois, resolver o que não julgarmos pronto... o
“estar pronto” é um ato de desapego e a abertura para novas criações, quando
decido que algo está pronto é como se eu me autorizasse a produzir mais, essa
economia íntima e pessoal da criação é complexa e nem sempre totalmente
dominada.
BAP3: A tua poesia
é bastante cerebral, minuciosamente planejada e até erudita (com conhecimentos
e semiologias específicos de determinadas áreas científicas e tecnológicas).
Esses fatores reunidos não restringem o entendimento do teu trabalho ou, melhor
dizendo, você alguma vez teve medo dela não dialogar com um número gigantesco
de pessoas?
AG: Escrevo algo que
me dá prazer escrever, algo que gostaria de ler e não encontro, algo que
declare parte da minha verdade estética, enfim, é muito difícil perseguir isso
e agradar a todos... escrever para agradar um gigantesco número de pessoas é
para poucos, geralmente acontece quando a verdade do autor e os anseios
populares se igualam numa mesma frequência ou, de forma mais facilitada (rsrs),
quando um autor compartilha sua entrada na literatura com o estrelato prévio na
tv, por exemplo (mesmo que haja talento). Um escritor que já é uma celebridade
agrada demais as grandes editoras, é venda certa... mesmo assim, os fatores que
transformam um escritor num fenômeno de vendas são misteriosos... podem se
desdobrar em questões sociológicas e psicológicas.
BAP4: Quais os
teus interesses em termos de leitura? Quais escritores você citaria como
fundamentais na tua formação literária? E os contemporâneos, os que dividem a
cena poética com você, quais são seus favoritos?
AG: Diria que os
beatniks, surrealistas e neobarrocos me ensinaram o caos do fluxo contínuo, o
engendramento de imagens dentro de imagens, os “fractais” literários, já os
poetas concretos, a lição contrária. Minha poesia é uma mistura de derramamento
e concisão, pelo menos é o que busco. Nem sempre consigo. Não acredito em gerações, acredito em
escritores que estão entre nós e nos que já não estão. Dentre os que estão
vivos e produzindo, me abstenho para não cometer injustiças, são muitos e
excelentes amigos de escrita. Como editor da [mallarmargens.com] pareceria
leviano não citar absolutamente todos! Daqueles mestres que não estão mais
entre nós, aqui vai uma lista que me parece importante: Gregório de Matos,
Camões, Augusto dos Anjos, Sá-Carneiro, Pessoa, Helder, Hilda, Souzalopes,
Álvaro Mendes, JCMN, CDA, Francis Ponge, Gottfried Benn, Rimbaud, Baudelaire,
Rilke, Eliot, Erza, Cecília, entre tantos outros...
BAP5: Por que você
disponibiliza gratuitamente seu livro Casa das Máquinas no site Issu? Qual o
propósito disso? Quando um escritor cria um livro e o coloca numa editora não
tem por objetivo vender sua obra? Corpo de Festim terá o mesmo destino?
AG: O primeiro livro
coloca qualquer escritor numa posição delicada, sobretudo tratando-se de uma
editora pequena ou de uma edição independente. Ao mesmo tempo em que um pequeno
número de leitores o alcança, há o desejo de construir uma continuidade. Daí o
delicado equilíbrio entre ser lido e conhecido e persistir numa produção livre
de concessões estéticas. Decidi disponibilizar o meu primeiro livro numa plataforma
de livre acesso e leitura online ao descobrir que ao longo de um ano inteiro em
prateleiras de livrarias, só dez exemplares tinham sido vendidos! Foi uma
estratégia deliberada disponibilizar o livro gratuitamente, para servir também
como cartão de visitas. Já no “Corpo de Festim”, tenho um contrato e uma
editora. E acredito que ela fará um excelente trabalho distribuindo o livro.
Não caberia só a mim a decisão de disponibilizar seu conteúdo online.
BAP6: Na sua
entrevista anterior aqui no Tubap, você conta que Casa das Máquinas levou 15
anos para ficar pronto: “Afinal, somos nossos primeiros críticos, não é mesmo?”
Em quanto tempo Corpo de Festim foi gestado? Sua autocrítica diminuiu ou está
mais controlada?
AG. Acredito que
tenha trabalhado 5 anos no “Corpo de Festim”. Isso não significa que o senso
crítico tenha enfraquecido, mas que posso entendê-lo melhor. Na medida em que o
tempo passa, acredito ter conquistado algum domínio sobre a minha própria
produção. Atualmente, construo outros 4 livros simultaneamente, 3 de poemas e
as “Guerras Búdicas”, série de prosa porosa que publico online na Mallarmargens
(e já tem 17 fragmentos). Tenho contado com a ajuda de um ilustrador que
admiro. Ele tem produzido uma ilustração para cada fragmento. Tão logo eu
julgue encerrada essa guerra, parto pra tentar publicar.
BAP7: Conte-nos um
pouco sobre sua experiência como arte-educador e como você vê o futuro da
educação no Brasil, a partir de fatos como os que aconteceram recentemente em
São Paulo, com estudantes tomando conta das escolas e forçando o Estado a
voltar atrás em uma decisão tomada sem a participação deles e dos professores.
AG: Meus anos de
atuação como artista-educador foram muito importantes, trabalhei em lugares que
admirava, com pessoas muito queridas. Infelizmente, noto um enfraquecimento na
maior parte dos programas educativos que travei contato, uma tendência a
esquemas fechados, receitas de bolo, aplicação de cartilhas, enfim, grande
parte do problema se dá porque os profissionais estão em fase inicial de formação
e são geralmente mal pagos. Não há o investimento em profissionais que tenham
já avançado na carreira, porque custam caro. Isso é triste. A situação da
Educação no país é assustadora. Professores maltratados, ganhando salários
injustos. É triste que os professores e estudantes que decidam agir, sejam
agredidos pelo Estado. Isso não é novo. Persistir é cada vez mais difícil. Não
consigo ser muito otimista.
BAP8: Pensando nos
escritores iniciantes, esses que lotam as oficinas literárias nos dias atuais,
o que você diria para eles, além de “escreva, escreva, escreva, lute contra a
disciplina”, agora que você venceu em primeiro lugar o maior concurso de
literatura do país?
AG: Que esperem. Que
economizem sua grana. Que promovam encontros gratuitos entre si. Que se
permitam conviver por anos com seus próprios escritos. Que tenham mais
escrúpulo e autocrítica. Que possam ouvir os parceiros de escrita, os
escritores mais experientes, que aceitem críticas, que baixem a guarda do ego
genial. Que seus temas não girem em torno de seus próprios umbigos. Que haja
menos “eus” e dores de cotovelo na poesia. O caminho é um só: ler e escrever.
Até achar a própria voz. Publicar livro é pra depois. Publicar não deve ser o
primeiro impulso de quem escreve, e sim, investigar a própria estética,
encontrar os pares, persistir na investigação, solitariamente ou coletivamente,
mas sem pressa. Não desistir. Trata-se um caminho de prazer e dor,
majoritariamente solitário e doloroso, sem muita recompensa. Lya Luft, na van a
caminho da cerimônia do Jabuti, nos contou que o conselho dela para os jovens
escritores atualmente é: “arranjem bons empregos, ganhem grana, independente da
escrita”, ou seja, quem nutre a ilusão de que vai viver de Literatura nesse
país tem grande chance de sofrer e se frustrar. E pior, de desistir. Portanto,
que a Literatura não dependa da sobrevivência. Mas que ela possa florescer em
paralelo.
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Entrevista
realizada pela equipe do BAP.
Chris Herrmann, Lourdes Rivera e Marcelo Mourão
Parabéns, BAP, Chris e Adriana, pela iniciativa de nos mostram um pouco mais da alma do Alexandre, que conheci recentemente e sigo conhecendo, lendo sua obra e seus pareceres. abraços a todos.
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ResponderExcluirBravo!!!!
ResponderExcluirBravo!!!!
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