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beijo, boa sorte, ana elisa ribeiro |
... As coisas que
herdei do baú da minha avó
por Adriana Aneli
Da primeira vez ela
chorou...
Li beijo, boa sorte de trás para frente. Como normalmente faço em
livros de minicontos e poesias. Era
final de dezembro, na correria de arrumar a vida para o próximo ano e sem me dar
conta de que aquele livro pequeno, com sua capa de vestido de bolinhas, era, antes de tudo, um susto. E, como tudo
aquilo que assusta, de pronto a gente larga para depois espiar a uma distância segura.
Mas resolveu ficar...
De canto de olho, por curiosidade,
fingindo um tropeço, retomei a leitura. Desta vez, sem escapatória. Com o rosto em retalhos tirados
do baú da avó, Ana me mantém, desde
então, refém de suas histórias.
É que os momentos
felizes ...
De orelha a orelha, dedicatória ao
agradecimento, desde as curiosas epígrafes de Adília Lopes (Escrevo para me
casar), repasso flagrantes descritos no tom cortante de quem já viu e viveu o suficiente
para não ter que esperar para ser franco. Ana revela o pior dos seus
personagens, traz à tona homens e mulheres que herdaram pouco mais do que a
inércia, nesta espiral de violência de gêneros: gente assustadora e assustada que, no
século XXI, ainda mancha ingênuos vestidos com taças de sangue.
Tinham deixado raízes
no seu penar...
Em beijo, boa sorte, a poesia se materializa na dor e na pena, parece piada até, para no segundo
seguinte se transformar em fissura
ardida nos olhos/retina obtusa que já não vê a rotina/rotina absurda sob as
retinas/tanto faz.
Convite para um mórbido mundo de "faz de conta", página após página a graça vai morrendo na boca de gente que recebe
o tapa, quando esperava o beijo. Amores interrompidos, amores que nunca vieram,
fuga que se tentou racionalmente, vida ceifada a golpes passionais ou mero
descaso. Vítimas em brasas - adormecidas.
Depois perdeu a
esperança ...
Fiz bem ao ler, da primeira vez, o
livro de trás para frente: ali está a origem, a dominação, a propriedade, o patriarcado, a receita da desigualdade. Fiz bem de ler o livro inúmeras vezes. Simone de Beauvoir escreveu
que é horrível assistir à agonia de uma esperança, mas beijo, boa sorte não me
fez perdê-la. Ao contrário. Lerei ainda mais.
Um livro feito de mulheres. Trágico
para mulheres. Desafiador para homens. Vice-versa. Contos feitos de uma, duas
frases, pensamentos. Pequenas histórias que debocham e paralisam ao invocar nossa
própria consciência.
Ana Elisa grita num mundo sabedor de que a mulher encontrou
sua própria voz, mas que nem sempre tem ouvidos para escutá-la.
Porque o perdão também
cansa de perdoar*
“A cigana me disse que estava ali,
na minha palma, que eu seria feliz. Falta a minha alma acreditar”.
Brinde ao
casal! Boa sorte!
Rua Luís Murat, 40
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