
Anselmo Vasconcellos, carioca, é um artista libertário com formação nos movimentos
contraculturais dos 70s. Teatro cinema, literatura e Tv são veículos onde se
destacou agindo sempre como um pesquisador, viabilizando trabalhos e revelando
facetas deste viés. Foi assim que em 1979 teve a ousadia de representar um travesti
na monumental obra literária adotada para o cinema República do Assassinos de
Aguinaldo Silva o que rendeu prêmios, inclusive internacionais, e criticas
comoventes e consagradoras. Foi assim que protagonizou Ricardo III na íntegra,
permitindo explodir toda a comicidade sarcástica do personagem, viés evitado
pela grande maioria dos atores que o representaram
.Desde então continua seu fluxo de experimentalismos. É professor efetivo
da Escola Estadual de Teatro Martins Penna do Rio de Janeiro há 28 anos,
lecionando interpretação e dinamizando um centro de pesquisas que intitulou
Oficina Libre, onde aprofunda noções antropológicas do teatro. Escreve, dirige,
atua em todos os gêneros e veículos, e se reinventa como um rizoma.
Participou de mais de 40 filmes, inúmeras peças, novelas, seriados e
humorísticos em todas as emissoras de tv. São 44 anos de profissão, 64 de idade.
Pai de Isadora, Vittorio e Isabella. Integra o elenco principal do Zorra há 16
anos na Tv Globo.

Trecho inicial do conto "Corre, Otávio", de Anselmo Vasconcellos:
"Meu tio Otávio era relojoeiro daqueles antigos, curvado devante uma pequena bancada repleta de miudezas e engrenagens. Havia um maçarico no canto, ajustado à bancada, e era rara a destreza daquele mulato inzoneiro ao acender seu cigarro caporal Amarelinho, sem filtro, na chama azul que derretia metais. Achava assombroso este pequeno espetáculo do mestre Otávio. Na entrada da lojinha, na Rua da Glória, reinava seu inseparável papagaio baiano num poleiro aberto. Se os ricos tinham seu alarme em um cuco, Otávio tinha Alarico, malandro alado que falava sem sotaques e em bom tom seu bordão favorito:
- “Corre, Otávio”"
BAP1: Qual o espetáculo conveniente para o Brasil de hoje?
Anselmo Vasconcellos: O fórum
democrático, o debate e esclarecimento das questões sociais, politicas com
grupos de trabalho representativos dos diversos segmentos da sociedade
brasileira e latino-americanas. Um desmonte dos representantes políticos
oficiais e atuais que precisam ter extintos os grandes salários e
representações financeiras para que isto deixe de ser uma forma de
enriquecimento.
BAP2: O que o Anselmo de hoje diria sobre o “padrão Globo de
qualidade”?
AV: Precisaria de muito espaço, dados documentais
precisos para refletir e analisar estes anos todos de desenvolvimento e atuação
desta empresa da qual faço parte. É uma pergunta de grandeza e exige
reciprocidade na tentativa de respondê-la.
BAP3: Existe a peça de teatro que não foi escrita e que
todas as noites você escreve, ensaia e interpreta?
AV: Minhas
noites são exercícios de esvaziamentos que tento me beneficiar eliminando,
limpando, deixando a terra livre para novos plantios... É o tempo meditativo,
meu Padma. Não sou um adepto de ensaios. Tenho uma teoria que ensaio é uma
forma repressiva pois fixa algo que deveria estar sempre no campo da
espontaneidade: este sim, meu principal veículo de atuação.
BAP4: Quais as diferenças entre o
trabalho de preparação do autor e do ator?
AV: Uma atuação pode ser uma partitura
preelaborada em qualquer campo de atuação artística. Há quem faça do
planejamento a grande força do trabalho e resulta esmerado, impecável até. Sou
um intuitivo, minha herança é mais onírica. Sou jazzístico, digamos assim. Navego
com prazer pelo desconhecido para ouvir o “canto das sereias”.
BAP5:
Que autores o influenciaram?
AV: Tudo que leio e eu leio muito
exerce uma conexão com o que estou criando e acaba fazendo parte orgânica do
meu trabalho. Há autores que sempre procuro pelo prazer da leitura que já
aconteceu e que redescubro na atualidade. São muitos, são raros e por isso
mesmo, por eles, acabam vindo também outros livros e outros autores. Vou descobrindo
que isto é comum nos autores. Estou lendo Beckett e Borges. Ambos falam muito
disso.
BAP6: Como você vê a crescente demanda por editoras
independentes?
AV: Uma decisão inevitável para autores. Eu pretendo
inclusive fazer artesanalmente meus livros. Eu mesmo gosto de vendê-los.
BAP7: Algum livro em perspectiva ou em fase final de
revisão?
AV: Sim, tenho dois livros em finalização. Um romance
histórico, um exílio politico de um jovem na Europa e um livro de contos sobre
uma família fantástica. Andam juntos. O romance depende de muita pesquisa e é
uma tarefa agradabilíssima, pois ator é um pesquisador por natureza.
BAP8: O contato do autor com seus leitores é diferente do
ator com seus fãs?
AV: Creio que
o artista é um desenvolvimento humano que encoraja, instrui e inspira sem se
especializar. Todos somos protagonistas de histórias, encontros, de feitos, de
conquistas e fracassos. Essa é a onda, o surf.
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Entrevista
realizada pela equipe do BAP.
Chris Herrmann, Adriana Aneli e Caetano Lagrasta