BAP4: Como professora, o que você
aconselha aos pais para incentivar mais a leitura das crianças e adolescentes?
NSL: A fala é sempre a mesma: “leia para
seus filhos”, “”deem livros de presente”, “leiam diante de seus filhos”, “motivem
a leitura”, “se interessem pelo que seus filhos estão lendo”... São
comportamentos simples mas fundamentais para a formação do leitor. Temos um
trabalho consistente na escola onde trabalho. Para nós a leitura é fundamental
e isso atravessa todo o nosso fazer pedagógico. Isso, somado ao trabalho da
família, vem formando uma geração de crianças e adolescentes leitores. Isso é
muito gratificante.
BAP5: Fale do seu livro de poesia
Borda. Como nasceu a ideia e se desenvolveu o projeto? Como foi o feedback
depois do lançamento?
NSL: Comecei a escrever em 2007, num caderno azul de capa dura que meu marido
me deu durante uma internação de dois meses num hospital psiquiátrico. Era só
catarse, agora vai ser livro. É ou não é um excelente caminho? BORDA foi
finalizado em 2012. São poemas escritos desde 2007. O primeiro contrato de
edição, dezembro de 2012, fracassou alguns meses depois e eu pensei em desistir
mas, a conselho de Mariana Botelho, poeta, fotógrafa e minha amiga, procurei
Eduardo Lacerda da Editora Patuá e ele de pronto decidiu publicar o livro.
Em BORDA, é possível ouvir como a turbulência do "eu mulher"
ressoa em mim. Não estou no mundo como mulher impunemente. Desde a infância a
rejeição ao lugar de "menos que os homens", ao qual eu nasci
destinada, instalou em mim uma guerra na busca da autoafirmação. Os esforços de libertação do
corpo e da mente nem sempre foram bem-vindos entre minha família e minha
comunidade. A sensação de inadequação e o comportamento transgressor me
acompanham até a idade adulta. No entanto, leitora voraz que sou, fui
tropeçando em literaturas que me ajudaram a ter uma visão externa daquilo que
vivia como repressão sexual. Foram muitas, mas dentre elas destaco Marina
Colasanti, Marilena Chauí, Margaret Mead e Simone de Beauvoir. Suas obras me
ajudaram a perceber que uma outra experiência com o feminino era possível.
Sou
desencanada com algumas categorizações que os literatos costumam fazer (poesia
de mulher, de negro de gay, de pobre etc.). Achar que poesia possui uma
categoria me parece uma incompetência crítica, mas se isso vier a acontecer com
o livro BORDA, provavelmente estarei entre três ou mais dessas categorias. E a
categoria de poesia de mulher será uma delas.
Outo elemento do livro é a
fotografia. Como todos de minha geração a máquina fotográfica e a fotografia
estiveram presentem em momentos como férias, festas, gravidez, nascimento e
crescimento dos filhos. Também haviam, na idos da infância, as fotos
escolares e fotos da família, geralmente feitas por fotógrafos profissionais.
Tratava-se de um esforço de captura dos momentos supostamente felizes, de
registos do tempo, como se a fotografia fosse um testemunho fiel do momento em
que foi executada. Desfilar um álbum de fotografias diante dos olhos costuma
ser um exercício prazenteiro de memória. Leoni, da banda Kid Abelha, apresenta
em seus versos da música Fotografia,
que o que fica na fotografia são os laços invisíveis do que havia no momento em
que ela foi executada. Vivi esta experiência de maneira satisfatória até que surgissem
em mim os primeiros sinais de envelhecimento. Desse ponto, mirar minha fotos
tornou-se um exercício doloroso e deslocado. Baudrillard afirma que criar uma
imagem consiste em ir retirando do objeto todas as suas dimensões, uma a uma,:
peso, o relevo, o perfume, a profundidade, o tempo, a continuidade e o sentido.
Acredito que a dor que passei a experimentar diante de minhas fotos antigas
evidenciavam essa falta denunciada por Baudrillard. Lúcia Santaella corrobora
meus sentimentos em seu livro Imagem:
cognição, semiótica, mídia quando afirma que "o enquadramento recorta
o real sob um certo ponto de vista, um obturador guilhotina a duração, o fluxo,
a continuidade do tempo". Por isso a
temática "fotografia", presente em BORDA, escrito em um
momento de incômodo com o envelhecimento, reflete um tanto desse mal estar,
desconforto e estranhamento diante do objeto fotografia.
Em
novembro de 2017 o BORDA fará três anos, não acompanho a distribuição da
Editora mas acredito que não ultrapassa 300 exemplares ao todo. Não daria para
viver como escritora profissional com esses números, mas para isso mantenho meu
trabalho como professora, que também é uma espaço de contrução de existência e
de realização.
Um livro
nos lança no estatuto dos escritores mas o que me consolidou e consolida como
poeta são as publicações no blog, no facebook, nas antologias, as participações
em eventos como os Saraus, o Poesia Falada do SESC Paladium, as apresentações
em outras cidades, universidades etc. O retorno é maravilhoso. Hoje um bom
poema alcança cerca de 150 curtidas. Fico imaginando 150 pessoas numa sala,
lendo poesia. Isso é sensacional. Não há preço para isso.
BAP6: “Há poetas demais, livros
demais e poucos leitores“. Na sua opinião, esta reclamação que se ouve/lê com
frequência tem fundamento?
NSL: Ser professor é ocupar um lugar a
partir de determinado discurso, cheio de méritos e vícios. Por isso talvez eu
acredite que enquanto escritores precisamos deixar o trono de autores
incompreendidos e nos preocupar e nos colocar em relação com os leitores.
Biografia como as de Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Raduan Nassar, Falkner,
Salinger, Proust, Beckett, Coetzee e tantos outros são maravilhosas mas o
Brasil é de fato um pais de poucos leitores e eles não vão se formar sozinhos. E
quem melhor que o escritor para levar esse sabor-saber até os leitores
potenciais? São tempos difíceis e o
tempo urge. Reclamar da falta de leitores nos deixa com a sensação de que
estamos fazendo algo para enfrentar esse problema mas é apenas uma ação vazia.
Sou dessas que acreditam que fazer está além da produção masturbatória do
gabinete, acredito no papel social do escritor.
BAP7: Como tem sido para você a
participação em antologias de poesia? Alguns autores reclamam dos critérios na escolha dos poetas. Outros dizem que ninguém lê antologias. O
que você pensa disso?
NSL: Não cabe todo mundo nem em
nossos círculos de amigos, como caberia
em uma antologia? Não gasto tempo me aborrecendo com isso. Estou sempre
escrevendo. Se me chamam escrevo, se abrem convites eu mando, se não me incluem
eu leio, se não gosto não recomendo. E ponto final.
BAP8: Numa postagem lindíssima no
facebook, você testemunhou que lê poesia contemporânea de mulheres vivas. Quais
são suas autoras preferidas? Escolha três poemas de três autoras contemporâneas
para fecharmos nossa entrevista com chave de ouro.
NSL: Puxa, difícil isso. Como disse
naquela ocasião, escolher algumas é deixar de fora mil. O facebook me criou a
possibilidade maravilhosa de conhecer a poesia de gente viva do Brasil inteiro.
Abaixo cito aquelas com quem mais troco no facebook. Mas a lista é
interminável.
leio Mariana Botelho
leio Assionara Souza
leio Chris Herrmann
leio Carla Diacov
leio Nívea Sabino
leio Betzaida Mata
leio Ana Elisa Ribeiro
leio Ana Sixx Vieira
leio Silvana Menezes
leio Aden leonardo
leio Paula Fábrio
leio Angélica Freitas
leio Mônica de Aquino
leio Júlia De Carvalho Hansen
leio Bruna Mitrano
leio Ana Martins Marques
leio Simone Andrade Neves
leio Regina Azevedo
leio Micheliny Verunschk
leio Adelaide Do Julinho, a Silvana
Guimarães
leio Liria Porto
leio Nydia Bonetti
leio Nina Rizzi
leio Karin Krogh
leio Pâmela Machado
leio Neuza Ladeira
leio Nina Carta
leio Roberta Tostes Daniel
leio Katia Borges
leio Adriana Brunstein
leio Martha Galrão
leio Arlete Franco
leio Zi Reis
leio Tânia Regina Contreiras
leio Laura Cohen
leio Camila Passatuto
leio Thaís V. Manfrini
leio Thais Guimaraes
leio Adriana Aneli Costa Lagrasta
leio Lázara Papandrea
leio Graca Quintao
leio Lia Sena
leio Silvia Maria Ribeiro
leio Myrian Naves
leio Germana Zanettini
leio Regina Dalcastagnè
Destaque de 3 poemas de 3 autoras:
MARIANA BOTELHO
CESARIANA
para Pedro
seus pequenos olhos
cor de aurora represada
ainda que um dia se afastem
ficarão
nessa pequena cicatriz
NEUZA LADEIRA
A DONA DE NADA
A mulher cuida de tudo é chamada
dona de que de quem por quê
Dizem dona de casa mulher de fulano
Bem no íntimo sabe que não é dona de
nada nem dela mesma
Passa a vida se dedicando à limpeza
à cozinha tudo do melhor jeito
Sempre disponível aos íntimos desejos
Agora que escreve este verso está
numa ampola cheia de remédios
O amortecimento da raiva da desforra
deve ser detido a borracha tem que ser passada
Como?
Nela aqui sem vida com dor
Os cabelos como fios de arame sem
cor naquele branco encardido
As rugas se amontoando num rosto que
foi belo
Nada além de olhos estranhos e mente
enrolada
Perguntam ou dão conselhos
Marido bom trabalhador casa arrumada
O que mais vai querer?
ANA ELISA RIBEIRO
DESORIENTAÇÃO
levo cinco luas minguantes
pra remendar
um afeto partido
outras cinco luas crescentes
pra curar
amor vivido
e estes amores
que não dão certo
levo séculos,
a céu aberto,
tentando ver
onde mesmo
estava a lua