Não tenho
dúvidas, para ler Daniel Velloso é preciso receita.
Começando pelo excelente projeto gráfico da Scenarium, o
livro merece uma exposição e, se possível, uma internação.
Ao contrário do autor, não é um livro que nasceu de oito
meses, nele dá pra perceber que lá se vão alguns anos de luta com ideias e
repelões a estas. Grande mergulho no
negrume subjetivo de nossas próprias tristezas e mal-entendidos.
- Ah, então o livro é triste?
- Porra nenhuma, o livro é um salto no “precipício ao
início”, para usar seu arremate ao título.
Tem cabeça no ombro, no travesseiro, virar pro lado e
continuar a sonhar; tem esquizografias, esquizofrenias e dores do mundo; tem de
tudo agasalhado por avalanche inigualável de palavras, conceitos, gemidos,
sussurros e de onde se escapa o desmaiado esboço da figura do autor.
- O autor?
...
- Perdido num emaranhado de Amor, Sentimento, Exclusões,
Achados e Perdidos, assim vai...
Há Rivotril – as tais pílulas de merda – e mulher-violão
desfilando por recônditos desejos naquela praia iluminada pela alegria dos
outros, sem esquecer os pintores de rodapé e choros convulsos no escurinho com
Natalie Porter.
Há também o silêncio desejado-fingido-do-passeante, diante
das criancinhas que dormem sobre folhas de jornal e se cagam diante do mundo
acanalhado-burguês a desfilar seus consumos, educações e formalidades, enquanto
se prepara para o mais recente assalto aos cofres públicos.
Mas, há que ir à confissão shopenhauriana, de pessoas sempre amáveis a tocar
nas feridas alheias, a gritar suas verdades vorazes, esbravejando seus manuais
de vida, com remate de último recado:
Acho que você leu e nem
percebeu. E agora? O livro acabou...
Ops, mas tem ainda um resto de toco, um toco sozinho, um
recadinho mordaz:
Já morri de amor,
já morri de rir,
já morri...
Já?
Caetano
Lagrasta,
ao sair da terapia de apoio, em 10 outubro de 2017
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