Acabei de terminar a leitura do
livro Fábricas mortas, de Caetano
Lagrasta (Desconcertos, 2018). Na verdade, levei mais tempo para terminar do
que achei que levaria. A leitura em si, é ágil - o livro tem 263 páginas,
divididas em cinco capítulos. Lento, fui eu. Mas eu sinto que precisava
apreciar o livro, assim como me senti obrigado a colocar no papel, pelo menos, uma parte das coisas que pensei.
Este texto está longe de ser uma crítica, não sou habilitado para tanto. É mais
um comentário, um desassossego.
Preciso dizer logo no começo que é
primeira vez em minha vida que eu conheci o autor de um romance que li – ou seria a primeira vez que li um romance de
alguém que eu conheço? Não é uma questão idiota, o que veio primeiro. No caso,
eu posso dizer que conheci Caetano antes de conhecer o livro, e isso teve um impacto
que eu não esperava em minha leitura. Como separar o autor de sua obra? Até
hoje, tudo que eu tinha lido de pessoas que eu conheço, eram textos curtos, ou poemas.
Todos abertamente autobiográficos: eu conseguia reconhecer as situações,
algumas tinha até presenciado. Num romance de fôlego assim, supus – de forma tola - que o fato de inventarmos
personagens, histórias, seus passados e futuros, pudesse se desvencilhar do que
conhecemos do mundo. Hoje sei que isso não é possível; nem desejável. Escrever é um ato
íntimo, mesmo que seja a história dos outros. Colocamos no papel, de certa
forma, aquilo que somos, seja implícita ou explicitamente. Conheço Caetano de
longas conversas – ainda
que não há tanto tempo quanto outros que também leram o livro, mas conheço - e
pude reconhecer muitas das coisas que ele me contou ali, nos detalhes de cada
personagens.
Isso me deu uma alegria e uma
angústia. A alegria era poder pensar que as coisas que estavam acontecendo ali,
as coisas que eu lia, eram histórias reais. A angústia era pensar que tudo que
eu estava lendo ali poderia ser uma história real. Fábricas mortas não é um livro fácil de ler. Não porque a leitura seja difícil, mas porque a história de
São Paulo é difícil. O livro se passa aqui, percorrendo várias décadas do
século XX. Mas dizer o clichê que o autor nos leva a fazer uma viagem pela
cidade seria diminuir o livro. Nós entramos na casa dos personagens, no seu
cotidiano, vemos seus medos, acompanhamos as violências que praticam e que
sofrem. Tive a oportunidade de perguntar algumas vezes ao autor o que era
verdade e o que ele havia inventado para o romance e, muitas vezes, a resposta
me perturbou. A sensação de que eu poderia encontrar Herculano - e que de certa
forma, poderia conversar com ele, trocar figurinhas, perguntar do Juventus e da
Rua Javari - me alegra tanto quanto me assusta a possibilidade de encontrar seu
irmão farmacêutico e os colegas que o acompanharam em tantas violações de
direitos humanos. Eles podem estar no mesmo vagão de metrô que eu, esperando na
mesma fila de banco, todos esses torturadores que a anistia ampla, geral e
irrestrita impediu de ser entregues à Justiça.
A história de São Paulo é difícil, é
assombrosa, mas precisa ser dita, e isso torna para mim Fábricas mortas um livro importante. A pensata ao fim do livro:
“quanto mais acumulo experiência no ofício da escrita, mais me dou conta de que
não existe nada tão interessante como a verdade”, de William Zinsser, atesta
isso. Trata-se de um ficção que brota da verdade, de realidade crua de sangue e
pedra da metrópole. A foto na orelha do livro, da infância do autor passada no
Brás, indica, no mínimo, que Caetano sabe - e sabe bem - do que está falando.
Se eu tivesse de recomendar o livro,
diria que a verdade que ele traz, tem gosto de fel. E, em tempos como estes que
vivemos, prová-la é antes de tudo uma atitude política.
Rodney da Silva Amador
sou do interior de São Paulo, Tremembé, me formei professor de história em 2014 e vim morar na Capital para continuar os estudos e trabalhar. Hoje eu faço Ciências Sociais na USP e sou professor em cursinho popular. Tenho 24 anos.